O Gaúcho e a cigana Zíngara

* Vicente Estanislau Ribeiro

Com a demolição da Igreja, antiga Catedral, que ficava defronte à Santa Casa, passou a existir um enorme espaço que passou a ser ocupado por circos, que ali se instalavam.
No inverno do ano de 1957, veio à cidade um circo, cuja grande atração eram duas mulheres lutadoras: Alice Maluf e a cigana Zíngara que desafiavam os homens da localidade por onde passavam. A notícia se espalhou pelos quatro cantos, cartazes afixados em estabelecimentos comerciais e veículos de som pelas ruas davam a grande publicidade do evento.
O circo tinha vindo da cidade de Ourinhos e lá a lutadora Zíngara, 58 kg, tinha vencido dois trapicheiros numa só noite, nunca tinha sido derrotada em seus embates.
O zum-zum tomou conta da cidade. Quem é o valentão, quem será a próxima vítima? Tem homem em Jacarezinho para lutar com ela?
O desafiante, protagonista dessa história, foi um gaúcho de Torres que escolheu aqui para morar e trabalhar. Fazia pouco tempo que tinha deixado o serviço militar obrigatório na capital paranaense e retornado para cá, trabalhava no Serviço Nacional de Malária.
Nas proximidades da pensão, onde se hospedava, havia uma barbearia. Foi quando, fazendo a barba e o cabelo, o barbeiro lhe indagou se ele tinha coragem de enfrentar a lutadora, pois, ali também estava um cartaz do circo, promovendo a luta.
O Gaúcho respondeu de pronto que teria coragem, sim! Com o salário atrasado de seis meses, devendo na hospedaria onde se alimentava e pernoitava, além de outras despesas, como a do próprio barbeiro, ele a encararia no ringue. Foi quando o amigo barbeiro lhe fez o convite para ir ao circo naquela sexta. Lá se foram e aí começa uma demonstração no ringue das duas mulheres lutando e o animador circense instigando a platéia, perguntando se tinha um homem de verdade, “macho” para enfrentar a cigana. Logo que terminou o desafio, o amigo barbeiro se levantou e acenou, apontando com o dedo o amigo ao lado. O circo veio abaixo, com os gritos, assobios e palmas da platéia. Chamaram-no à frente e acertaram para o dia seguinte, sábado à noite, o grande combate. O responsável pelo circo perguntou ao desafiante se ele não tinha medo; respondendo que não, emendou que era acostumado a brigar com homem, com mulher não... Ainda o apresentador do circo completou dizendo que no hospital tinha já um quarto reservado para o valentão que se machucasse. O palhaço subiu ao palco e começou também a provocá-lo e o Gaúcho ameaçou com um tabefe, deu-lhe uma rasteira, derrubando-o, que se levantou dizendo, sai de mim espírito do mal.
O prêmio era de cinco contos para o vencedor. O desafiante ganhava um conto e setecentos por mês e assim mesmo, não recebia o pagamento, em virtude de atraso. O Edgar Alves Barroso, do Bazar do Ponto, arrumou o calção para o desafiante lutar.
Chegado o grande dia, já no circo, Eduardo, “Gaúcho ou “Tchê”, como era carinhosamente conhecido, 78 kg, estava nervoso com a luta, pensava: se perder, terei que mudar da cidade que tanto gosto. Atrás do cortinado, tremia de frio e medo. Entre tantas personalidades à época que lá estavam, um deles era o Dr. Tito, chefe do Eduardo no Dneru, depois SUCAM. O circo completamente lotado, começa a luta. Não valia soco direto, mordida e dedo no olho. Os dois se estudando, até que o Gaúcho foi nela e levou um contra golpe, tido como pára-quedas, caindo ao chão. O povo silenciou. Depois do tombo, sumiu o medo e o frio. Foram 20 minutos de árdua luta com tesoura voadora e tudo mais, a cigana Zíngara deu muito trabalho, mas foi vencida, colocando a língua de fora. O juiz da luta, dizia baixinho ao desafiante enquanto ele a dominava no chão e já finalizando a disputa, para que o adversário deixasse a luta empatar e que no domingo o circo lotava novamente e o prêmio dobrava. Lógico que o Eduardo não topou e foi consagrado, o grande vencedor.
Levou não só o prêmio estipulado, como também 800 réis de cédulas e moedas jogadas dentro do ringue pelos presentes. Uma moça de nome Lurdinha tinha prometido ao corajoso desafiante, caso vencesse, lhe daria um beijo lá no ringue; cumpriu a promessa. Gaúcho foi carregado nos braços como herói pelos amigos para comemorar no Bar Paulista, esquina da Praça Rui Barbosa, de Benedito Mendonça. Quem lá esteve naquela noite, jamais se esquecerá da luta entre um homem e uma mulher.
Eduardo Leal dos Santos, aposentado, hoje com 76 anos, já algum tempo reside com a família no Bairro Alemoa, no município de Siqueira Campos.

* Vicentinho é licenciado em historia e bel. em direito.
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