ARTIGO: Lava Jato mostrou à elite o autoritarismo, antes reservado aos menos afortunados

O princípio da presunção de inocência é um instituto previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Está lá, com todas as letras: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...] “LVII- ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”;”.

Pois bem. O Sol e a Lei são para todos. Mas no Brasil, sabe-se que uns sempre foram mais iguais que os outros, raramente atingidos pelos braços da lei. Não à toa, os presídios estão lotados de presos que nunca foram julgados. Cumprem prisão provisória que se torna permanente. Estão presos sem ter sido sentenciados.

Com a Lava Jato, as coisas mudaram. A inovação da operação foi estender aos ocupantes do andar de cima, até então imunes a justiça criminal, as arbitrariedades que já eram regra na condução do processo penal no Brasil. A Lava Jato mostrou à elite política e empresarial o autoritarismo processual penal, até então reservado aos menos afortunados. Inovou também ao tornar regra a prisão preventiva destinada à obtenção da delação, a condução coercitiva sem prévia intimação, a divulgação de grampos telefônicos, inclusive os obtidas ilegalmente. Pelo que vimos até agora, não é o devido processo que tem prevalecido e sim os fins que justificam os meios.

Antes que venham dizer que sou contra a Lava Jato, vamos colocar os pingos nos iis. A Lava Jato é importantíssima para o país porque mostrou as relações promíscuas entre políticos e empresários que há décadas dilapidam e sangram o país. Acredito que todos os culpados pelo assalto aos cofres públicos devem ser responsabilizados e punidos com todo o rigor da lei. Todos, de todos os partidos, de todas as empreiteiras.

A minha discordância é em relação à inversão do processo penal na Lava Jato. E também a banalização das delações premiadas, a espetacularização das conduções coercitivas e prisões preventivas e a santificação dos procuradores e juízes que atuam no caso, e mais, a sua inserção na política.

Aliás, deve explicação à sociedade o chamado “poder fiscalizatório”: onde estavam esses anos todos o Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas da União e órgãos de controle interno, que não identificaram sobrepreços e a corrupção que correu solta? Como penalizar os que deveriam fiscalizar e não fizeram?

Retrocedemos ao Estado Novo brasileiro, quando se impunha ao acusado o dever de provar que não era culpado. Senão, como justificar as prisões ocorridas dos ex-governadores do Rio de Janeiro? A transferência de Garotinho do hospital para o presídio de Bangu foi um espetáculo grotesco, um enorme desrespeito à dignidade da pessoa humana.

Ao contrário de muitos, não celebro essas prisões. Considero que são uma violação aos direitos individuais e um desrespeito ao Estado Democrático de Direito. Não sou a favor de justiceiros e pelo que li até agora sobre a prisão do ex-governador Garotinho, o buraco é mais embaixo e muita podridão de gente poderosa virá à tona. É esperar pra ver. O que me preocupa e muito é o que não serão capazes de fazer se essa escalada de arbitrariedades continuar.

Eu acredito que ninguém, absolutamente ninguém, pode ser tratado como se fosse culpado antes que sobrevenha contra ele uma condenação penal transitada em julgado. O postulado constitucional da presunção de inocência impede que o Estado trate, como se culpado fosse, aquele que ainda não sofreu condenação penal irrecorrível. Todo o resto é retrocesso, e o retorno ao obscurantismo, e um passo adiante para um estado de exceção.

(*) Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PSB e líder do governo na Assembleia Legislativa do Paraná.
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